"Ó mar, o teu rugido é um eco incerto
Da criadora voz de que surgiste"
(Gonçalves Dias)
"Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas"
(Sophia de Mello Breyner Andressen)
Os bancos que ficavam na orla da praia eram pintados de branco e azul. Alguém havia dito que eram assim para que lembrassem o mar. O azul seria a água e o branco, a espuma. E, de fato, os bancos haviam sido feitos num formato que imitasse as ondas, acomodando três assentos em cada sinuosidade. Achei grosseiro que pintassem de azul e branco, como se não fosse o bastante que o mar surgisse cercando e difundindo suas cores por toda a ilha, e fosse necessário recordá-lo a um observador desatento. Mas talvez representassem apenas as cores da bandeira da cidade e não as do mar, o que só torna a coisa ainda pior: não por devoção àquele que tudo cinge, mas por um patriotismo néscio e desnecessário pintaram os bancos de branco e azul.
De qualquer modo, o mar não precisa que o lembrem quando é ele mesmo evidente, seja em suas cores, seja na sinuosidade de sua superfície. Defrontá-lo com algo que se o assemelhe é apenas um intento patético e humilhante, já que é difícil imaginar que espécie de artífice poderia competir com uma presença tão atroz e onipotente. Melhor seria que fizessem como as calçadas da praia de Copacabana, imitando as ondas quando inundam ininterruptas a areia. Ao invés de erguer-lhe um obstáculo, feito uma saudação insolente e obtusa, estenderam-lhe reverentes as calçadas como a continuação de suas ondas. Forjaram submissos as pegadas do mar, temendo e amando aquele que um dia - inevitável - viria para tomar seu trono sobre o Corcovado.
Mas não falarei do futuro, eu que babo chá e não vejo na borra de minha xícara mais do que um motivo para lavá-la. Que sigam as ondas incessantes e ruidosas sobre a areia, como mil lábios espumosos alisando a superfície granulosa; como miríades de demoninhos que cavalgassem selvagens e ululantes contra a praia, rosnando dentígeros sobre as cristas e alçando suas espadas frágeis e fugazes, mas que, obstinadas, devoram toda a orla. O mar não precisa que nós o lembremos. Deixemos que espraie seu alarido, que avance em turbilhões e não aticemos ainda mais seu rancor com monumentos estúpidos. Quando enfim vier, que não demonstremos pavor nem falso destemor, apenas façamos a reverência devida.
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