quinta-feira, 24 de maio de 2012

Píndaro

"A glória só tem pleno valor
quando é inata. Quem só tem
o que aprendeu é um homem obscuro e indeciso,
jamais caminha com o passo firme.
Apenas esquadrinha
com maturo espírito
mil coisas altas."

Terceiro canto nemeu. Agora o deixarei de lado para poder falar tranquilamente somente por mim. Estou violando uma de minhas regras, que é não expor particularidades, mas sei que encontrarei expiação em algum momento. Uma dessas particularidades é que o poema toca em uma de minhas maiores preocupações. A outra é que não apenas penso singelamente que a natureza pode poupar-nos esforços, mas que com ela esses esforços ganham maior valor. Porque o que consigo por meus próprios meios é sempre falho e opaco; não são senão cópias grosseiras e afetadas perto da "glória inata". Enquanto os bem nascidos caminham com desenvoltura e retidão, os demais tateiam trêmulos por suas escarpas para jamais atingir o topo. Pois os meios não garantidos por natureza não levarão muito além de sua condição, e qualquer coisa que alcancem parece estar sempre na iminência de despedaçar-se como se ousassem suspender sobre suas cabeças um mar revolto de que pouco sabem. "Apenas esquadrinha com maturo espírito mil coisas altas". É que a natureza é maior e o homem não pode recriá-la senão defeituosamente: desnaturando-se.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Império I

Creio que determinados lugares contaminam as pessoas, enfraquecem-nas. Departamentos públicos são o exemplo mais comum e anedótico. Quando dependo de ir a um, sinto como se estivesse entrando em um redemoinho lento e fatigante de areia. É a opressão descrita por Kafka: vaga, distante e ignorada até mesmo por aqueles que a impõem, pois é anônimo o poder que recebem. Mas pode ser também como a mansidão depois do almoço, um olhar dominante e sonolento. As faces vão ganhando dobras de tinta; os ventres, crescendo como abóboras velhas e amolecidas. E quem dirá que as abóboras também não são alegres? Pesadas e macias como se desfrutassem de uma felicidade tediosa e paralisante. Isso também ocorre em outros lugares, mas essa é a regra ali. 

É como se seus funcionários estivessem, durante todo o expediente, de alguma forma entretidos com molas de brinquedo, maravilhando-se com suas muitas cores e seu tremor titubeante. Qualquer coisa que lhes pergunte parece desconcertá-los. Alguns, mais profundamente absortos, chegam a assustar-se, deixando a molinha de brinquedo cair de suas mesas e acompanhando-a estupefatos em seu humilde e jocoso caminho até os meus pés. "Ah... há alguém ali na soleira da porta" parecem constatar. Não me olham com qualquer curiosidade, mas com decepção e um sorriso frouxo. A tarefa, que antes me parecia tão simples, torna-se longa, cansativa, fazendo-me débil e igualmente atraído pela molinha de brinquedo. É necessário trazer à lembrança minha casa para libertar-me de seu estupor.

Soubessem as antigas civilizações disso, rapidamente teriam repelido, senão para sempre, durante um bom tempo, a ameaça dos povos das estepes. Bastaria que dispusessem entre eles e as fronteiras do norte um longo sistema de atendimento, com muitos balcões, corredores e salas repletas de funcionários. Cavalaria alguma lhes seria páreo. Grandes senhores seriam obrigados a descer de seus carros de combate e a enfrentar uma longa fila, implorante pela atenção de um funcionário que há mais de quinze minutos brinca e baba com uma molinha de aros coloridos. E de nada adiantaria apontar-lhe dedos ou ameaçá-lo com a espada, pois não haveria nada, absolutamente nada que o funcionário pudesse fazer. Restaria apenas largar-se a um canto e esperar por um destino de gente satisfeita.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Gabinete 009

O que é o Gabinete 009? Quando em Mendoza, um dos professores resolveu que a aula seria dada na sala dos docentes, uma vez que só havia dois alunos. A sala dos docentes era dividida em vários compartimentos, vedados um dos outros por biombos e persianas de cor clara. No que entramos, a janela era voltada para a cidade, há três quilômetros de onde estávamos, separada por um bosque em semicírculo. Uma paisagem vista desde o alto de um gabinete, acessível apenas por um longo caminho de álamos que descendia até os portões do parque e dali à massa de edifícios, empalidecidos e difusos sob uma luz forte e amarelada. Eis o Gabinete 009, um posto de observação idealizado na solenidade e na beleza.

Por que 009? Porque nove, de um a cem, é o meu número perfeito. Poderia ser seis? Não creio. O seis apoia-se em sua soberba para levantar um débil arco. O nove é contemplativo, precariamente sustentado por aquilo que o seis tão glutão ostenta. E por que não o sete ou o oito, o cinco ou o dois? O um é simples, branco, espremido e carrancudo. O dois é alegre e amigo, por isso não me convém. O três, ao contrário, é irritável, exigente, de pouca afeição. O quatro é simpático, porém opaco. O cinco é bravo e orgulhoso, mas de um orgulho que beira ao ridículo. O sete é nobre e esbelto, e tão delicado que não nos deixaria uma única linha. O oito é bom e gentil, mas eu não quero. Quero o nove, enorme, porém insustentável e flutuante.