sábado, 21 de julho de 2012

Do Sangue

Sentir-me-ia aliviado se pudesse ter todo o meu sangue em ampolas, ao meu livre dispor, para processá-lo segundo minha vontade. Não para vendê-lo, embora eu reconheça que é a mesma frieza a motivar ambos. Mas porque quero alterá-lo, filtrá-lo, separar seus fluidos e selecionar suas partículas. Reconstruir-me de dentro para fora, pois se as maneiras parecem fáceis de ser educadas, a natureza, no entanto, esquiva-se a todos os intentos de correção. Se não posso bater-lhe nos dedos para que tire as mãos do prato, castigá-la-ei subvertendo todas as suas partes até que se forme um todo diferente; dessa vez à imagem de meu ideal. Na realidade, este é um caminho para a inação; as inclinações todas suspensas até que o olhar a examinar a lâmina diga que está bom.

Isso pode soar selvageria, mas somente porque exagerei ao dizer que filtrar o sangue é o mesmo que alterar a natureza. Porque não é. Se eu separo as impurezas da água, obtenho uma água melhor, não uma substância diferente. Processo meu sangue, sim, e aceito o risco de permanecer suspenso por certo tempo. Sabe Deus o que puseram em meu sangue. Alimentaram-me pessimamente, não seria de se tolerar que eu permanecesse impassível. Há dois caminhos (dois e tão só? dois e tão só!): um é segurar frivolamente a caneta conforme a regra depois que lhe bateram com o leque no ombro; o outro é querer segurar a caneta direito. O primeiro conduzirá a uma liberdade doce, de laço fino, do salto leve. O segundo é grave, árduo e o bem alcança-se com dor e convicção.

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