domingo, 19 de agosto de 2012

Vidente também eu

Já tinha observado como alguns adultos de trinta, quarenta anos costumam ter fascínio por cristais energéticos, estátuas hindus e meditação. Tudo isso superposto, é claro. Raramente chegam a uma organização. Abraçam árvores, tocam seus chacras e evitam pensamentos negativos toda vez que passam por sensores de metal na porta de um banco. Mas não porei meu querido amigo nesse amontoado, que nem sequer é nascido no séc. XX. O trecho que transcrevo veio de maneira inesperada: saltou-me aos olhos, como diriam. Na verdade, é como se eu, de repente, sem o querer, estivesse olhando para uma obra arruinada. Aqui, o tempo falhou (e continuará a falhar até que não haja mais mundo). O importante é que eu simplesmente não consigo pensar de outra forma. É de um arqueólogo francês, de um orientalista, de um historiador. Apenas por constatação e não por desprezo que o cito:
"A explicação é dada pelo fato de que cada um de nós é um emissor de ondas; essas ondas, que podem propagar-se a maior ou menor distância, constituem, perto do corpo, a aura, essa nebulosa que somente alguns viam - e eram suspeitos de embustes - e que hoje todos podem ver graças às telas coloridas por um derivado de coaltar descoberto pelo Dr. Kilner."
Ele se refere à vidência. Graças a essas ondas, um ser humano seria capaz de ver além dos sentidos comuns. Os antigos a teriam desfrutado muito mais do que os modernos. Estes, por causa das máquinas que os rodeiam, têm suas faculdades naturais debilitadas pela falta de esforço. Seja como for, a partir desse instante terei que imaginá-lo sentado numa poltrona, suspendendo um amuleto por um barbante enquanto recita em acadiano. Aos seus pés, bacias com água, e talvez um gato pule em seu colo, eriçando seus pelos. Eu, naturalmente, nada direi, nada farei, pesado a um canto do sofá como os livros empilhados sobre a mesinha. Com a única exceção de que - e isso observará alguém cinquenta anos depois - guardava um silêncio leve, quase desrespeitoso; um ceticismo amargo que não move folha, que quer apenas um copo de suco e internet rápida (e tão tolo serei por isso).

domingo, 22 de julho de 2012

Pelo Sangue

Mesmo que no mundo não existisse ninguém além de mim, nem assim me largaria ocioso por suas praias, a ter o oceano lavando-me incessante e mansamente a carne até que a transformasse em grãos. O outro é um bom motivo, um guia, um marco para comparar e medir os esforços, mas a depuração do sangue é um princípio anterior até mesmo ao da competição. Expurgar do sangue aquilo que não é sangue e injetar nas veias aquilo de que necessita para ser sangue são os impulsos que conduzem à dignidade. Porque o sangue está antes e depois de mim: como projeto e como ideal. Engarrafo-o para que eu possa analisar o que é próprio, o que é impróprio e o que lhe falta. Filtro e nutro para que o sangue latente torne-se o sangue a que está destinado ser. Isso nada tem a ver com desnaturalização.

Há um núcleo a ser preservado, pois do contrário o sangue tornar-se-ia outra coisa. Essa é sua natureza. Creio que seja imutável, mas coisas horripilantes aqui e ali deixam-me intranquilo. Imutável ou não, não se deve mexer. Há duas limas a atuar sobre esse núcleo: uma interna e outra externa. A primeira é própria, voluntária e natural. A segunda é imposta, sujeita a erros e variações. Só devemos permitir que esta atue quando for condizente com aquela, pois não há limites para seus esforços e o resultado poderá ser a desnaturalização. Há duas maneiras de evitar que isso aconteça: obedecendo-a com leviandade e cônscio de que atua mal; recusando-se expressamente a obedecê-la, suportando as consequências e os riscos dessa violação. Uma e outra podem ser boas conselheiras, a depender das circunstâncias.

Geralmente, será mais fácil e mais benéfico obedecer com leviandade; assim se preserva tanto o interno quanto o externo. Por que expor seu coração à selvageria do mundo quando simplesmente podemos amarrar nossos sapatos com graça e sorriso? Há muitas coisas a serem preservadas e muito poucas a serem destruídas. Não sabemos a extensão do mundo nem a de nossas ações. Os que desprezam as boas maneiras e chamam de hipocrisia as formalidades do trato social não sabem de suas vantagens nem dos riscos que correm. Muitas vezes a sinceridade, a palavra dita com sentimento e honra não passam de vaidade e ganância. É claro que dessas insurgências é preferível rir a punir. O que não merece nosso respeito será sempre ridículo. E a pretensão de verdade é a melhor de nossas piadas.

sábado, 21 de julho de 2012

Do Sangue

Sentir-me-ia aliviado se pudesse ter todo o meu sangue em ampolas, ao meu livre dispor, para processá-lo segundo minha vontade. Não para vendê-lo, embora eu reconheça que é a mesma frieza a motivar ambos. Mas porque quero alterá-lo, filtrá-lo, separar seus fluidos e selecionar suas partículas. Reconstruir-me de dentro para fora, pois se as maneiras parecem fáceis de ser educadas, a natureza, no entanto, esquiva-se a todos os intentos de correção. Se não posso bater-lhe nos dedos para que tire as mãos do prato, castigá-la-ei subvertendo todas as suas partes até que se forme um todo diferente; dessa vez à imagem de meu ideal. Na realidade, este é um caminho para a inação; as inclinações todas suspensas até que o olhar a examinar a lâmina diga que está bom.

Isso pode soar selvageria, mas somente porque exagerei ao dizer que filtrar o sangue é o mesmo que alterar a natureza. Porque não é. Se eu separo as impurezas da água, obtenho uma água melhor, não uma substância diferente. Processo meu sangue, sim, e aceito o risco de permanecer suspenso por certo tempo. Sabe Deus o que puseram em meu sangue. Alimentaram-me pessimamente, não seria de se tolerar que eu permanecesse impassível. Há dois caminhos (dois e tão só? dois e tão só!): um é segurar frivolamente a caneta conforme a regra depois que lhe bateram com o leque no ombro; o outro é querer segurar a caneta direito. O primeiro conduzirá a uma liberdade doce, de laço fino, do salto leve. O segundo é grave, árduo e o bem alcança-se com dor e convicção.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Tudo a seu gosto

Aos dezessete, dezoito anos comecei a frequentar casas que não eram bem casas, pois que as famílias ali não viviam nos moldes costumeiros, mas como jovens enviados por seus pais para estudarem em outras cidades. Alguns ainda mantinham junto de si o irmão, o primo ou mesmo um amigo de infância que a sorte ainda aproximava, mas a maioria - quando não simplesmente sozinhos - acabava por ter de dividir seus quartos com estranhos, gente cujas famílias nunca conheceu nem pretendia conhecer. Uma ou outra situação, no entanto, terminava no mesmo: pequenos espaços, janelas de cortinado pouco, colchões arranjados nos cantos, pilhas de manuais, computadores amarelados e móveis sem qualquer aparelhamento caprichoso.

Tive a perspicácia suficiente para entender essa nova ordem, os novos cheiros, as maneiras engraçadas que ali tinham. Enquanto jogávamos videogame, ofereciam-me não café, não chá, mas coca-cola em copo americano. Bolo mesmo não havia, mas podíamos fazer aqueles de caneca, que não se assavam no forno, mas no micro-ondas. Não colocávamos em pratos nem em talheres, mas era assim mesmo que nos divertíamos, comendo com as mãos, lambendo-nos os dedos. Entendia que o era não porque não pudessem organizar uma casa, mas por faltar-lhes a pretensão de estabelecerem-se ali por razoável tempo. Era como um acampamento. Não de guerra, mas de viagens exóticas e delicados festins ao ar livre.

Soube ter aquele leve desprendimento de si, da austeridade desnecessária que não conduz a nada, exceto ao claustro modorrento. Sentava no chão e jogava-me para trás, escorando-me nas almofadas de ricos bordados, mas que na verdade eram apenas travesseiros enfiados em lençóis encardidos. Seus pais podiam muito bem sustentar-lhes todas as comodidades de que pareciam carecer. Era coca-cola em copo americano, sim, não porque não tivessem coisa melhor, mas porque escolheram. Tudo a seu gosto, desde que leve. Há um verme em meu cérebro que me mordiscaria dia e noite caso eu levasse uma vida assim. Mas há os que não se importam, os que até mesmo preferem. Suspeito que essa seja inclusive sua condição.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Duke Senior

“This is no flattery. These are counselors
That feelingly persuade me what I am.”
(As You Like It, Shakespeare)

Um bom conselho não pode ser dado por quem não desfruta das doçuras da liberdade. Um bom conselho não pode ser dado por quem lhe deve a vênia, o cargo, uma mercê. Pessoas dessa categoria só servem para encher-lhe os ouvidos com palavras enganosas: espelhos que o persuadem de ver, mas ocultam o que há por trás. É claro que não estamos falando de incompetência. O seu estagiário, embora saiba muito bem que o seu poema rimando lua com falua é um lixo, muito provavelmente não lhe dirá a verdade. Mente porque não é livre, e seu conselho não terá valia. É como se ele tentasse vender um carro dizendo ser invisível e você acreditasse.

Mas não só o conselho do não-livre é inútil. A síndica do seu prédio, que às sextas-feiras faz curso de pintura em pano de prato, embora não lhe deva satisfações, nem por isso saberá opinar sobre o seu corte de cabelo. A inocência de um conselho não garante que será um bom conselho. Não que não sejamos capazes de apreciar a ingenuidade. Sabemos muito bem o que se esconde por trás; não ignoramos a profunda raiz de verdade que a sustenta. Apenas que... preferimos... bem, você sabe. Que os sacerdotes cuidem dessas pobres criaturas.

O bom conselho, esse só poderá ser dado por aquele capaz de dizer-lhe bem e mal, mas principalmente mal. É muito mais o açoite do que o afago. Suas palavras não são espelhos, mas punhais de gelo: impassíveis ao seu sofrimento. Antes sofrer pelos punhais do que continuar a refletir-se inutilmente. A vaidade é sempre um logro. É difícil dizer sempre, mas parece ser a verdade. Que nos convençam o quanto antes do ridículo que fazemos. Que um pé de jaca caia sobre nossas cabeças durante nossa melhor apresentação. Que nos digam logo o que somos e o que não podemos ser.

Não ignoro, é claro, a dificuldade de identificar um bom conselho. É talvez aquele que se assemelhe o quanto possível a um raio, a uma tempestade, a um deslize de terra. Um impacto simples, instantâneo, visível. Algo que nos assolasse a imagem refletida no lago como a sombra de um pássaro enorme e que nos fizesse voltar os olhos para cima com um tremor da alma. Não é, certamente, o simples adágio que a sua vizinha sabe de cor e aprendeu com o avô. É um fisgar profundo, frio que o trouxesse para a superfície, para o gole de ar honesto e estimulante.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Como um Galho Seco

"I am not at liberty to reveal
my sources, but I can assure you,
the price on your head is high"
(Edric, Spymaster of Trest).

Ah, mas essa nem de longe é uma notícia desagradável. É como se em quem me perseguisse eu tivesse ao menos o consolo de haver meus feitos julgados dignos o suficiente para deles alguém se ocupar. Uma falácia, é claro, se eu me permitisse consultar rapidamente a realidade e ver que a perseguição não transformou em ouro o passado. Mas poderia ser um indício. Sim, considerarei como um indício, uma feliz desconfiança de que o mal persegue-me por ver em mim seu natural inimigo. E eu, que pensava de nada haver valido toda a minha vida, morrerei injustamente enquanto tomava o café na cama. (Um único tiro no peito, a sacada encontrada aberta pelos policiais, os criados atônitos com o pérfido crime).

O passado, esse sim, é desagradável. Pudesse verter ácido pelos meus ouvidos, um ácido especial que dissolvesse minha memória, nada restando em meu crânio senão uma massa vazia e inocente, ainda assim não seria o bastante. É necessário despejá-lo sobre toda a existência, baldes e mais baldes de ácido irrigando fumegante meu corpo. Talvez uma mistura alquímica que obtivesse o novo, o não conspurcado, um ramo que enegrecido e reduzido a um galho seco pudesse ser novamente plantado. Se não é possível livrar-se do passado, que ao menos linhas suficientemente longas e ordenadas de novas folhas possam esmaecer as amareladas, tornando-as irrelevantes pontos para o aspecto geral.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Os Bancos da Orla

"Ó mar, o teu rugido é um eco incerto
Da criadora voz de que surgiste"
(Gonçalves Dias)

"Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas"
(Sophia de Mello Breyner Andressen)

Os bancos que ficavam na orla da praia eram pintados de branco e azul. Alguém havia dito que eram assim para que lembrassem o mar. O azul seria a água e o branco, a espuma. E, de fato, os bancos haviam sido feitos num formato que imitasse as ondas, acomodando três assentos em cada sinuosidade. Achei grosseiro que pintassem de azul e branco, como se não fosse o bastante que o mar surgisse cercando e difundindo suas cores por toda a ilha, e fosse necessário recordá-lo a um observador desatento. Mas talvez representassem apenas as cores da bandeira da cidade e não as do mar, o que só torna a coisa ainda pior: não por devoção àquele que tudo cinge, mas por um patriotismo néscio e desnecessário pintaram os bancos de branco e azul.

De qualquer modo, o mar não precisa que o lembrem quando é ele mesmo evidente, seja em suas cores, seja na sinuosidade de sua superfície. Defrontá-lo com algo que se o assemelhe é apenas um intento patético e humilhante, já que é difícil imaginar que espécie de artífice poderia competir com uma presença tão atroz e onipotente. Melhor seria que fizessem como as calçadas da praia de Copacabana, imitando as ondas quando inundam ininterruptas a areia. Ao invés de erguer-lhe um obstáculo, feito uma saudação insolente e obtusa, estenderam-lhe reverentes as calçadas como a continuação de suas ondas. Forjaram submissos as pegadas do mar, temendo e amando aquele que um dia - inevitável - viria para tomar seu trono sobre o Corcovado.

Mas não falarei do futuro, eu que babo chá e não vejo na borra de minha xícara mais do que um motivo para lavá-la. Que sigam as ondas incessantes e ruidosas sobre a areia, como mil lábios espumosos alisando a superfície granulosa; como miríades de demoninhos que cavalgassem selvagens e ululantes contra a praia, rosnando dentígeros sobre as cristas e alçando suas espadas frágeis e fugazes, mas que, obstinadas, devoram toda a orla. O mar não precisa que nós o lembremos. Deixemos que espraie seu alarido, que avance em turbilhões e não aticemos ainda mais seu rancor com monumentos estúpidos. Quando enfim vier, que não demonstremos pavor nem falso destemor, apenas façamos a reverência devida.

O Grupo da Srta. Brodie

"Fazia questão de que a chamassem pelos dois nomes, Joyce Emily. Esta Joyce Emily estava tentando por todos os meios entrar para o famoso grupo e achava que os dois nomes poderiam estabelecê-la como alguém, mas não havia a menor chance de isto acontecer e ela não conseguia compreender por quê". (Muriel Spark, A Primavera da Srta. Jean Brodie).

Joyce Emily certamente não compreende que os círculos do mundo - os que verdadeiramente merecem tal dignidade - não se abrem àqueles que não foram feitos para eles nem se fecham aos que naturalmente lhe pertencem. Pertencer a um grupo não é aquisição nem conquista, mas um encaixe a que desde sempre se estava destinado. Mas não somente por questão de natureza. Círculos formam-se e fecham-se de acordo com questões muito mais factuais do que se gostaria. A razão do número, por exemplo. Não se há de imaginar que grupos numerosos possam sobreviver por muito tempo enquanto tais. Gradualmente se quebrarão em outros, mesmo que suas partes sejam parecidas o suficiente para constituírem uma unidade. É esperado que determinados círculos fechem-se em razão de não desejarem ser cinco, mas somente quatro. De outro modo, que seriam? Mas há ainda outra questão muito mais importante do que a do número. Os círculos do mundo são mais do que singularidades reunidas por algo em comum. São rodas de carroceria, de moinhos, de uma mesa de chá. A lealdade que os liga não é apenas de natureza, mas de casos que a sorte ou a providência divina criou e que não poderão ser recriados sem que isso implique no aviltamento de seus integrantes. Pequenas questões, mínimas histórias, como folhas secas arranjadas casualmente pelo chão, vão marcando e limitando os corações, preparando-os para especiais recepções que jamais - jamais - serão destruídas ou falsificadas. Joyce Emily não poderá entrar para o grupo da Srta. Brodie, não simplesmente porque sua natureza destoa de suas integrantes, mas principalmente por carecer daquilo que as lançou em um laço comum. As pequenas marcas de ferro quente em suas peles que lhes dão tanta doçura e causam tanta inveja decidiram para sempre quem lhes pertence e quem não. Semelhantes círculos não seriam tão prestigiados e tão queridos se fossem meramente esquemáticos, vazios e livres. É o fato de surgirem com a própria vida que os torna únicos e, por isso mesmo, restritos, como ervas que se entrelaçassem naquele parapeito e em nenhum outro mais.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Piedade

A glória é da natureza. A glória pertence aos deuses. Os mortais recebem-na como dádiva. Da natureza e dos deuses depende quase todo o sucesso de nossa empresa. O suor inutilmente poreja se nada nos foi dado antes. O empenho humano é uma ninharia, um arranjo de veleidades que se levantam e tombam conforme uma vontade superior e inapelável. O que é um homem melhor senão um homem dotado por natureza? O que faz além é apenas o coroamento de uma majestade que já existia. As honras são mais dadas do que obtidas. Ai, ai! Os mortais se lamuriam. Os cristãos estão certos em oferecer-nos consolo.

O cuidado, a perfeição, o intento são coisas humanas, misérias que se atropelam. Se se alcança a harmonia, assim apenas é enquanto quiser a natureza. O escárnio dos homens parece pouca coisa perto do escárnio dos deuses. Sem eles, a vida é como uma interminável e vexaminosa procissão de erros. Sem eles, só há crime, pudor e humilhação. Que virtude não é divina? Quem a tem por vontade própria? Sem pedir, sem o querer, a nós são dados todos os bens. O que nos resta é o carro com baixa tributação. O financiamento de uma casa. Um shampoo que nos saiu barato. Refrigérios que vicejam na pobreza e no desespero.

E por isso arrefecerei meu querer? Não, está claro. Tais coisas pouco interferem em nossas vidas. Como o escravo que se conscientiza de seu jugo, assim me conscientizo de minha absoluta dependência do que já me foi dado. Para que a fortuna indômita não nos atordoe, empurramos a charrua olhando para um mínimo de terra que se passa e que ainda se há de passar. Querer ver além é uma insanidade. É contemplar a sombra do infortúnio sobre toda a faina humana. Nosso zelo quase nada significa. Os deuses desmancham indolentes tapeçarias urdidas por noites insones. Como se fosse bagatela, cozinham o arroz arduamente cultivado.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Mulher Rueira

"La buena esposa conviene que mande en los asuntos de puertas adentro de la casa, teniendo cuidado de todo de acuerdo con las normas establecidas. No debe permitir a nadie entrar sin saberlo el marido, guardándose principalmente de las conversaciones de las mujeres callejeras, que tienden a corromper los ánimos." (Aristóteles, Livro III, Econômicos).
Mulher rueira. Para os que acreditavam ser um tipo social exclusivo do proletariado brasileiro, eis aí a prova de que elas existem desde pelo menos a Antiguidade. Não quero com isso, é claro, lançar sobre elas um matiz mais natural e benéfico, mas apenas alertar as boas moças - as que ainda restam - de que moda alguma as poupará do escárnio eterno da posteridade. O que a sociedade e o tempo sutilmente urdem não se revela senão por meio de inteligência e senso. Senso de honra, dignidade e devoção aos deveres naturais.