sexta-feira, 8 de junho de 2012

Na Antecâmera I

"(...) conjuro-vos, então, a não ceder hoje, 
a lutar bem junto à espuma das vagas na areia
e a garantir dessa forma a própria sobrevivência,
mantendo o domínio sobre este local."
Tucídides, Livro IV, § 10

Nada de especial se lido isoladamente. Porém, se comparado com o restante do texto - impessoal, longamente discorrido - é como um copo d'água em um deserto. As imagens sobrepostas, a nitidez com que se vislumbram os pés dos soldados fincados na areia fazem de um detalhe breve o resumo de toda a ideia: que lutem firmes, sem jamais perder o ânimo; que mantenham suas posições, custe o que custar; que permaneçam  em tal lugar e batalhem de tal e tal maneira, pois só assim se obterá a vitória. Mas cem palavras como essas não alcançariam a força e a precisão das que, sendo escolhidas entre muitas, são poucas e valiosas. Não somente, no entanto, é a seleção a responsável pelo seu valor, mas a sua raridade, a palavra em si mesma, também a eleva perante as demais. Pois a poesia - ah, sim, é de poesia que penso tratar-se - não é resultado de um mero esforço, de um trabalho de ourives. Talhem o quanto quiserem a pedra vulgar, não alcançarão algo muito maior do que a própria matéria permite e condiciona. Se não me engano, Maiakóvsky insistia muito na importância do trabalho para o poema. Ele e tantos outros. Mas o que não é para ser poesia jamais o será, independentemente do quanto se desgastem sobre. A pretensão nada é quando os meios não a acolhem. É necessário que as palavras certas sejam encontradas, e não criadas pelo artífice fugaz e apaixonado.

E é claro que eu já me distanciei do que pretendia. Queria apenas dizer o quanto me agrada ver uma sentença bem composta e viva em meio ao que é apenas um texto. O efeito, assim entendo, não teria sido o mesmo se eu o houvesse encontrado dentro de um texto com intenções poéticas. E como disso eu pretendi dizer algo a mais? Apenas que o trabalho incessante não é essencial, é até mesmo dispensável. Mais vale a espontaneidade do que já se sabe do que o saber através do aprendizado árduo. Sempre aquele será mais leve, mais fulgurante, melhor. Este apenas o copia como pode. Os poetas sabem disso, mas alguns deles parecem comprazer-se em iludir os que não sabem de que de algum modo eles poderão saber.

3 comentários:

Lady Joachinna disse...

Murílio, seu sarcasmo é muito IrReVeReNtE.

Murilo Munoz disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Murilo Munoz disse...

Lady Joachinna! Eu realmente não esperava pela sua vinda. Também, depois daquele escândalo familiar, não achei que um dia teria a audá... Quero dizer, não repare na bagunça. Meus criados estão providenciando-lhe um quarto.

Mas que sarcasmo? Reli e não sei a que você se refere. Se eu dei a entender que falei mal de Tucídides, saiba que eu lhe tenho grande estima. Inclusive, prefiro ele a Heródoto. Mil vezes. Cem mim vezes.