segunda-feira, 25 de junho de 2012

Como eu gostaria de morrer

Talvez tenha sido muito talco na infância, mas a minha morte eu gostaria que fosse em completo esquecimento. Não que eu fuja das lágrimas. Essas não me satisfariam nem se rolassem feito regatos. Mas meus últimos momentos reservo para um confidente eterno, diante de um monte nevado, sob um dossel de faias ou aos pés de um carvalho. Não sobre o leito de um hospital, cercado de parentes e suas crianças assustadas. Quero antes que o mar vele minha morte, que a praia toda sinta minha existência agonizar e perecer. O céu seria todo o meu consolo. Minha tumba far-se-ia ao vento e ao pó cobrindo-me lentamente.

Meus derradeiros suspiros não serão para os ouvidos mortais, para os que fungam e soluçam entrecortados de baba e ranho. De minha morte só haverá lembrança quando eu houver enfim desaparecido, quando eu for mais rocha do que osso. O longo tempo transcorrido impediria que alguém me lamentasse de maneira escandalosa e inapropriada. Meus futuros pranteadores não habitarão senão os dourados salões e os jardins geométricos, e para mim reservarão não mais que um suspiro ou uma exclamação de comportada curiosidade. Levariam, se muito, um lenço bordado aos olhos, secando-lhes uma ou duas lágrimas.

Alguém, alto e de tamancos, com as meias esticadas e as faces bem constituídas sob o pó, talvez ainda dissesse, muito sério, muito digno: "Lamentável. Mais cinco anos e teria visto o primeiro carro voador espatifar-se contra o edifício do Ministério". E sairiam todos para um pic-nic, para uma porta envidraçada que abririam dois lacaios. Pois não haveria mais motivos para chorar minha banal derrota, mas apenas para enaltecer minha glória e meu estojinho de faiança. Minha morte já teria se esvaído como o sal infinito das vagas, e chegaria bonita como contemplar o laço de um sapato e o abismo sob os pés.