segunda-feira, 7 de maio de 2012

Gabinete 009

O que é o Gabinete 009? Quando em Mendoza, um dos professores resolveu que a aula seria dada na sala dos docentes, uma vez que só havia dois alunos. A sala dos docentes era dividida em vários compartimentos, vedados um dos outros por biombos e persianas de cor clara. No que entramos, a janela era voltada para a cidade, há três quilômetros de onde estávamos, separada por um bosque em semicírculo. Uma paisagem vista desde o alto de um gabinete, acessível apenas por um longo caminho de álamos que descendia até os portões do parque e dali à massa de edifícios, empalidecidos e difusos sob uma luz forte e amarelada. Eis o Gabinete 009, um posto de observação idealizado na solenidade e na beleza.

Por que 009? Porque nove, de um a cem, é o meu número perfeito. Poderia ser seis? Não creio. O seis apoia-se em sua soberba para levantar um débil arco. O nove é contemplativo, precariamente sustentado por aquilo que o seis tão glutão ostenta. E por que não o sete ou o oito, o cinco ou o dois? O um é simples, branco, espremido e carrancudo. O dois é alegre e amigo, por isso não me convém. O três, ao contrário, é irritável, exigente, de pouca afeição. O quatro é simpático, porém opaco. O cinco é bravo e orgulhoso, mas de um orgulho que beira ao ridículo. O sete é nobre e esbelto, e tão delicado que não nos deixaria uma única linha. O oito é bom e gentil, mas eu não quero. Quero o nove, enorme, porém insustentável e flutuante.

3 comentários:

Maria Bico disse...

Digo, pai.

Fantástico, quase humano.

Anônimo disse...

Meu querido, tens, assim como eu, essa graciosidade que é a sinestesia? Tão poucos (ou nenhum) humano encontrei nessas idas e vindas da vida, com tamanha disposição em encontrar a perfeita descrição de coisas tão.. despercebidas.

Só pra constar, querido. Meu número preferido é o 7.

Murilo Munoz disse...

Acho que para ser considerado sinestésico você tem que apresentar uma disfunção neurológica que provoque "materialmente" essas confusões de sentido. Esse não é o meu caso. É a sensibilidade comum que não se manifesta necessariamente na carne, mas só em pensamento. Em palavras mais francas e mais fáceis: sensibilidade da alma, mesmo, não do corpo.